Categoria: Conto

A garoa caía fina sobre a cidade quando Hélvio estacionou seu carro antigo em frente ao Edifício Monte Azul. O prédio, de arquitetura art déco, era uma peça esquecida do centro antigo, engolida por prédios modernos e pela pressa da cidade. O motivo da visita: o desaparecimento de Agenor, o porteiro mais antigo do lugar.

O ano havia sido generoso com a roça de Seu Anselmo Barento. A chuva viera na medida certa, o milho engrossara bonito e a mandioca parecia mais gorda do que nunca. Enquanto colhia ao lado de João, seu filho, Anselmo olhou para os cestos cheios e disse

Miguel sentou-se no banco duro da sala de espera do hospital, com as mãos trêmulas segurando a ficha. Aos 70 anos, a vida o havia tirado quase tudo: os amigos, os irmãos, a vitalidade. Mas uma dor no peito e a insistência da filha o fizeram buscar ajuda. O que não esperava era reencontrar, ali, o amor da juventude.

Luzia Barento era só uma menina de 8 anos, mas seu coração já pulsava com a força dos grandes. Sempre observadora, notou que, todas as tardes, o senhor Nicolau, um homem de cabelos muito brancos e olhar distante, sentava-se no mesmo banco, em frente à igreja de Santa Aurora, fitando o horizonte, sem nunca sorrir.

Naquela manhã cinzenta, as nuvens pesadas não trouxeram só a chuva, mas também o medo. A enxurrada da noite anterior tinha arrancado parte do muro da casa de Dona Adélia, uma senhora de 82 anos que vivia sozinha no alto do morro, em Santa Aurora.

O sol ainda mal havia se debruçado sobre os telhados de Santa Aurora quando Dona Quitéria Barento retirou do forno o último pão que conseguira preparar com o resto de farinha. A seca castigava a terra há meses, e os mantimentos começavam a rarear até para os mais prevenidos.

O bilhete ainda pesava no bolso do sobretudo de Hélvio enquanto ele cruzava a rua deserta, com o olhar atento aos reflexos distorcidos nas vitrines fechadas. “O silêncio é o que mais revela.

Hélvio ajustou a gola do sobretudo e deixou o prédio com a mesma cautela com que entrara. A rua continuava silenciosa, apenas quebrada pelo zumbido elétrico dos postes e pelo som distante de uma sirene em outro bairro. Não havia ninguém por perto, mas ele sentia com a mesma intuição que o guiava em cada caso que não estava sozinho.

Hélvio nunca soube o que era dormir uma noite inteira. Há anos, o detetive circulava pelas ruas vazias da cidade como quem percorre os próprios pensamentos: em silêncio e com cautela. Não bebia café, não fumava, mas carregava nos olhos o mesmo cansaço dos que nunca largam vícios.

Na Rua 27, havia uma rotina tão peculiar quanto discreta, marcada pela figura de Hélvia, uma jovem de traços serenos e olhar perdido, que todos os dias, pontualmente às seis da tarde, repetia o mesmo ritual: saía de sua casa vestindo sempre o mesmo casaco azul-marinho, caminhava até a esquina da rua e, sob o velho poste de luz amarelada,