Na Curva da Estrada
O sol descia lentamente, tingindo de laranja as curvas longas da estrada que levava de volta ao passado. André não voltava à sua cidade natal havia vinte anos. O asfalto parecia o mesmo, mas tudo ao redor carregava um peso diferente o tempo. Vinha em busca de respostas, de uma ausência que ainda gritava: o desaparecimento de Laura, sua amiga de infância. Era mais que uma lembrança; era uma ferida que nunca cicatrizou.
A cidade o recebeu com o silêncio habitual de um lugar que envelheceu sem pressa. As casas, o coreto, a praça onde costumavam brincar tudo parecia congelado. Mas o reencontro que mais o abalou foi inesperado: Clara, o grande amor que deixará para trás, agora era a bibliotecária do colégio. O olhar dela, carregado de histórias não contadas, o fez lembrar o motivo de sua partida. Amor e culpa se misturaram em segundos.
Nos dias seguintes, André começou a investigar discretamente o que aconteceu com Laura. Conversou com antigos colegas, com o padre, e até com o delegado aposentado. As respostas eram sempre vagas. “Foi embora sem avisar.” “Se envolveu com gente errada.” “Melhor não mexer nisso, André.” Mas ele sabia que a verdade não se perde assim. Ela se esconde.
Certa tarde, ao visitar a antiga cabana onde os três se reuniam na adolescência, André encontrou um caderno escondido sob o assoalho. As páginas amareladas revelavam fragmentos de uma história que misturava amor, ciúmes e segredos. O nome de Clara surgia repetidamente, em frases curtas, doloridas. A cada linha, o mistério ganhava contornos mais humanos menos crime, mais coração.
Ao confrontar Clara, ele viu lágrimas antes de ouvir qualquer palavra. Ela confessou que Laura havia descoberto algo que poderia destruir uma família influente da cidade. Tentou protegê-la, mas Laura desapareceu antes que pudesse fugir. Durante anos, Clara carregou a culpa, acreditando que nada poderia ser feito. André, por sua vez, percebeu que o que o afastou dali não foi apenas o medo, mas a incapacidade de enfrentar a verdade.
No entardecer seguinte, ele voltou à estrada. O mesmo caminho que o trouxe, agora o levava embora. Mas algo nele havia mudado: o peso do mistério se transformara em aceitação. A lembrança de Laura não seria mais dor, mas um elo entre o que foi e o que ainda podia ser.
O amor por Clara, embora ferido, renascia em silêncio, na promessa de não mais fugir.
Na curva da estrada, André olhou pelo retrovisor e viu o passado se despedindo em tons dourados. Algumas verdades só se revelam quando o coração está pronto para ouvir.







