Declarações de amor
O Brasil celebra em 2017 o centenário do nascimento daquela que ficou conhecida como uma das vozes mais marcantes da música brasileira: Vicentina de Paula Oliveira, a Dalva de Oliveira. Voz marcante da Era do Rádio, a paulista, ao contrário de muitas das cantoras de sua época, não cresceu ouvindo rádio.
A influência de seu pai, músico que tocava clarinete e saxofone, foi a determinante para seu futuro. Sua formação começou nas serenatas em que ele tocava, como conta o historiador Paulo Henrique de Lima. "É essa música que fala do amor, das coisas simples da vida, isso que fez parte da formação dela. Enquanto outras cantoras cresceram ouvindo rádio, a Dalva não, cresceu ouvindo serenata."
Dalva perdeu o pai ainda criança, aos oito anos de idade, e a partir de então foi morar com a mãe e as irmãs na capital paulista. Inicialmente, estudou em um internato, mas não se adaptou. "Fiquei desesperada porque não estava acostumada a ficar assim. É a mesma coisa de um passarinho que é preso na gaiola de repente e fica doente. Acho que foi isso, eu fiquei muito mal da vista", lembrou a cantora em entrevista à Rádio Nacional.
Com uma infecção nos olhos, ela saiu do colégio e passou a ajudar a mãe, que trabalhava como governanta. A família se mudou para o Rio de Janeiro em 1934, e três anos mais tarde Dalva se casou com Herivelto Martins, pai de seus dois filhos e, por anos, companheiro na música.
Ainda na escola, Vicentina, que tinha aulas de piano, foi convidada a viajar com uma trupe. Protegida pela mãe, saiu em turnê com o grupo, que encerrou atividades em Belo Horizonte. Na capital mineira, começou então sua relação com o rádio. A menina, antes chamada Vicentina, ficou conhecida como Dalva, por sugestão da figura materna, que queria um nome "mais artístico" para a filha.
Assim que começou a cantar, amigos a incentivaram a ir para o Rio de Janeiro. Os primeiros registros de Dalva na imprensa datam de 1934, mesmo ano em que se mudou para a, então, capital federal. "Os cronistas já falavam de três coisas que marcaram a vida dela toda: da voz; da forma com que ela cantava, com muita emoção, e da simplicidade dela", afirma Paulo Henrique Lima.
Enquanto as artistas que faziam sucesso na época cantavam samba, Dalva preferia valsa e fox trot. Com ajuda de Ademar Machado, conseguiu estudar canto com o maestro Paschoal Gambardela, e assim aperfeiçoar seu talento.
Trio de Ouro
Ao trabalhar no Teatro da Cancela, na zona norte do Rio, conheceu a dupla Preto e Branco, formada por Nilo Chagas e Herivelto Martins. Os dois, mais tarde, se juntariam a ela para formar o Trio de Ouro. "Achava que a dupla estava pobre, e um dia me ocorreu fazer uma experiência com a dupla e a voz da Dalva", contou Herivelto em entrevista à Rádio Educativa.
Trio de Ouro
Marco para a música brasileira, o Trio de Ouro tornou-se sucesso pelas composições, mas chamou atenção por sua voz feminina. "O Trio de Ouro foi a revelação, não só de Herivelto, muito menos do trio. A grande revelação foi a voz da Dalva de Oliveira", afirma o pesquisador Ricardo Cravo Albin.
Barracão, de zinco, sem telhado, sem pintura, lá no morro
Barracão é bangalô
Lá não existe felicidade de arranha-céu
Pois quem mora lá no morro, já vive pertinho do céu
Tem alvorada, tem passarada, alvorecer
Sinfonia de pardais, anunciando o anoitecer
E o morro inteiro, no fim do dia, reza uma prece: Ave-Maria!
(Ave Maria do Morro)