A pandemia do novo coronavírus, responsável pela Covid-19, está impondo uma realidade inédita para as atuais gerações: ter de ficar compulsoriamente em casa. O confinamento obrigatório pode causar desconforto emocional, mas também é um momento em que é possível reavaliar a vida, melhorar o autoconhecimento, instruir-se, divertir-se, reforçar laços sociais e, especialmente, familiares.
Para entender melhor os riscos à saúde mental e as oportunidades para novas descobertas de felicidade, a reportagem da Agência Brasil entrevistou (por escrito) a psicóloga Karoline Paiva e o psicanalista Marcos Wagner, ambos de São Paulo.
Juntos, os dois escreveram a cartilha Desconforto emocional em tempos de confinamento, que circula pelas redes sociais e pode ser localizada por meio dos sistemas de busca na internet.
Agência Brasil: Ficar em casa, para algumas pessoas, é extremamente agradável. Para outras, entretanto, é insuportável não sair. Esses traços poderão ajudar ou agravar no período de isolamento?
Karoline Paiva e Marcos Wagner: Pessoas introvertidas tendem a se sentir confortáveis com baixa interação social, enquanto as extrovertidas têm maior necessidade de contatos sociais. Desta forma, pessoas mais sociáveis podem sofrer maior angústia na privação do contato. Porém, independentemente do traço pessoal, nesse contexto de pandemia, ambos têm condições internas de enfrentamento, desde que priorizem e se motivem em direção ao bem comum.
Agência Brasil: Que desconfortos emocionais os períodos de isolamento podem causar?
Paiva e Wagner: Os principais desconfortos que percebemos são: sensação de desamparo e abandono, sensação de cerceamento da liberdade. Podem ser acentuadas inclinações já existentes para hipocondrias, depressão, processos ansiosos e manias. É importante também destacar alteração no comportamento alimentar, já que tendemos a ingerir maior quantidade de calorias, aliada ao sedentarismo acentuado neste momento. Além disso, há a luta por sobrevivência, expressa no comportamento de estocar alimentos, produtos de limpeza, etc. As compras em excesso podem ser compreendidas como uma luta pela própria preservação, por parte da população que dispõe de recursos financeiros para este tipo de consumo. Aquela parcela privada de condições se abstém do acúmulo, mas tende também a controlar seu consumo habitual de alimentos.
Agência Brasil: Vocês temem que as pessoas possam desenvolver algum tipo de neurose?
Paiva e Wagner: O contexto social de pandemia pode ser um potencializador de quadros depressivos, ansiosos e compulsivos uma vez que nossa fantasia infantil de onipotência é rompida e nos deparamos com a real vulnerabilidade humana. Há ainda questões relacionadas com [o que os psicólogos chamam de] a ferida narcísica, uma reedição das nossas angústias mais primitivas, uma vez que estamos sob ameaça de impedimento da realização daquilo que nos dá prazer e segurança. Esta desestabilização sublinha negação da realidade ou a exacerbação do medo, a depender da constituição de cada sujeito. Na luta pela sobrevivência, algumas normas e regras sociais que normalmente nos direcionavam podem ser quebradas em virtude do mal estar social generalizado. Por isso, sugerimos que as interações sociais sejam mantidas ainda que virtualmente, respeitando as novas regras como a limitação ao toque físico e proximidade. Busque manter uma rotina saudável e sociável com amigos, parentes, etc. Utilize a tecnologia a seu favor nestes contatos.
Agência Brasil: Podem surgir conflitos familiares?
Paiva e Wagner: Sim. Na proposta da quarentena, a rotina cotidiana é alterada e faz com que os papeis que normalmente desenvolvemos fiquem restritos. Um exemplo: a mãe que trabalha em home office [trabalho em casa] necessita dar atenção ao filho, arcar com as tarefas do trabalho e de casa, além do papel de esposa e, muitas vezes, de filha. Ela, certamente, estará sobrecarregada. Isso pode acentuar conflitos geracionais, uma vez que são diversas demandas em cada um dos integrantes do grupo familiar. Por outro lado, é uma oportunidade de reaprendermos a conviver de forma simples e mais caseira, respeitando as limitações e perspectivas de cada integrante do grupo social chamado família.
Agência Brasil: Como passar longo tempo com a família com prazer?
Paiva e Wagner: Uma das possibilidades é que pensem juntos numa rotina para o novo, o momento de confinamento. Em vez de impor regras de acordo com a hierarquia de cada família, sugerimos resgatar o lúdico por meio de jogos compatíveis com todas as gerações (jogos de tabuleiro são boas opções); a redistribuição de tarefas domésticas. Vale transformar o momento do preparo das refeições em um momento familiar onde cada um pode contribuir, sugerir, executar de acordo com suas possibilidades etárias e físicas.
Agência Brasil: Que rotinas devemos incorporar dentro de casa para que esses dias não sejam tão difíceis?
Paiva e Wagner: Toda e qualquer atividade cultural como tour virtuais a museus, lives musicais e culturais de outras fontes que levem entretenimento e diversidade de assuntos podem aliviar a carga imposta pelo isolamento.
Agência Brasil: E o que devemos evitar?
Paiva e Wagner: Evite a ansiedade da hiper-informação e as fake news. Mantenha uma rotina e não se entregue ao total ócio. Faça contatos sociais e evite o desequilíbrio nas relações. Enfim, busque aquecer sua alma com as coisas que te fazem bem e te trazem esperança.
Agência Brasil: As redes sociais, os jogos eletrônicos e a programação da TV, algumas vezes vistas como tóxicas quando em excesso, serão bastante úteis ou podem ser problemáticas?
Paiva e Wagner: Todo excesso é prejudicial, uma vez que desvia o foco e pode desencadear quadros ansiosos. O ideal é buscarmos a medida do suficiente. Isso quer dizer buscar o suficiente para o consumo nas compras, nas horas de internet e jogos, nas redes sociais, etc. Há oportunidade de revisitar os vínculos e ressignificar relações. Aproveite o momento para focar nisso!!!
Agência Brasil: Vocês indicam ler?
Paiva e Wagner: Consumir boas leituras pode trazer serenidade, proporcionar novos horizontes e aprendizados, além de uma sensação de liberdade, uma vez que você pode mergulhar na história e, nesse mergulho, aliviar a tensão própria da realidade do confinamento.
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