O confinamento doméstico imposto pela pandemia do novo coronavírus é uma excelente oportunidade para aproximar pais e filhos em torno da leitura. Esta é visão de especialistas ouvidos pela Agência Brasil pela passagem do Dia Nacional do Livro Infantil, comemorado hoje (18).
A data lembra o nascimento do escritor Monteiro Lobato, respectivamente. Estórias e personagens do escritor brasileiro permitiram a diversas gerações de crianças abrir as portas da imaginação, conhecer o mundo, partilhar experiências, estimular o senso crítico e até superar adversidades, como a de ter de ficar em casa, em distanciamento social, para evitar a propagação uma doença que pode ser fatal.
Quem lê amplia o olhar, torna-se mais tolerante ao perceber na visão do outro formas de alargar a sua própria visão das coisas. Quem lê, escreve melhor, consegue ter uma percepção mais crítica de tudo, diz a escritora Alessandra Roscoe, que também desenvolve em Brasília o Projeto Uniduniler para incentivo à leitura, de mulheres grávidas a idosos.
O livro pode ser uma ótima distração para os dias de covid-19, recomenda Sandra Araújo, poetisa e doutora em literaturas de língua portuguesa. A atividade de leitura pode ser enriquecedora inclusive para preenchimento do tempo, que pode ficar ocioso. Quando contamos estórias, conversando, todo mundo fica encantado, afirma Sandra.
Para Dianne Melo, fonoaudióloga e especialista em linguagem, o encantamento das letras pode ser uma terapia muito oportuna contra o estresse do presente. Em um momento como este, em que somos bombardeados com notícias sobre a pandemia, [é bom] ter acesso a livros que nos permitem entrar em contato com outras realidades, fantasias, personagens, elaborar algumas situações e até mesmo nos conectar com outras formas de ver o mundo.
Livro e afeto
Dianne Melo é coordenadora de Engajamento Social e Leitura do Itaú Social, que desenvolve com voluntários projetos de leitura para crianças de até 6 anos em pré-escolas de redes públicas. É maravilhoso ler para as crianças. A carinha delas prestando atenção às histórias não tem preço, conta Catarina Tomiko Yamaguchi, leitora voluntária em escolas nos bairros do Braz, Mooca e Bom Retiro (na região da Luz, em São Paulo).
É interessante como as crianças se identificam com as histórias que você vai lá contar, complementa José Fernandes Alves Santos, que é voluntário no mesmo projeto e periodicamente visita escolas no Jabaquara. Catarina e José Fernandes sentem-se emocionalmente recompensados pela atividade de ler livros para pequenos nas escolas.
A leitura cativa e provoca afeição entre quem conta e quem ouve estórias. Quando o adulto lê em casa, geralmente pega a criança no colo, fica bem perto, lê para a criança dormir. Ele fica muito perto da criança e com a atenção voltada para ela. Isso é o que a criança mais deseja: a atenção dos pais para ela,ressalta Norma Lúcia Neris de Queiroz, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
A fonoaudióloga Dianne Melo destaca também a oportunidade dos pais de usufruir desse momento, conhecendo melhor a criança, identificando seus gostos, medos e aflições.
Ler com as crianças é um ato de afeto. A leitura abre as portas da imaginação, estmula a linguagem e a expressão próprias da criança e, no caso da leitura partilhada, em família, é também uma forma de se estabelecer um vínculo, testemunha Alessandra Roscoe, mãe de três filhos com diferentes idades.
Aqui em casa, até jogos são criados a partir das leituras. Inventamos personagens e enredos que um começa e outro termina, diz.
Leitura e internet
A escritora assinala que é possível cultivar o gosto pela leitura aproveitando as possibilidades abertas pela tecnologia da informação. Muita gente resolveu ler para crianças e adultos em vídeos e intervenções ao vivo pelas redes sociais. Alguns autores, mais talentosos com os novos meios, estão animando os próprios poemas e livros, comenta a autora.
Para a poetisa Sandra Araújo, há interface entre livros e jogos eletrônicos na internet ou em dispositivos sem conexão. Nos jogos tem narrativas contadas ali. O encadeamento das ideias, como o jogo é organizado, desperta o interesse das crianças e desenvolve habilidades. Há um universo de estórias que dialogam e se relacionam com jogos. Há livros que falam dos personagens dos jogos, e isso, de alguma forma, pode estimular a leitura das crianças.
A disponibilidade dos recursos trazidos pela internet e dos aparelhos eletrônicos reforça a necessidade de as famílias lerem precocemente para suas crianças, opina a pedagoga Norma Lúcia. As famílias têm de começar bem cedo com o livro. As crianças maiores têm lido também nos tablets, computadores e outros. Quando já desenvolveram o gosto [pela leitura], as crianças leem em todos os ambientes, inclusive os livros indicados pela escola.
Além de ler desde tenra idade, os pais precisam dar exemplo. A criança tende a imitar o comportamento dos pais. Se os pais ficarem o dia todo no celular, certamente esse dispositivo terá maior apelo para a criança, pondera Dianne Melo, que recomenda manter sempre por perto um livro para que as crianças tenham acesso.
Podemos e devemos usufruir dessas ferramentas, ainda mais em tempos de isolamento, mas tudo deve ser dosado, como qualquer outra atividade. O importante é que o livro físico também tenha espaço nessa rotina. Que todos possam ter um tempo para manusear.
A dosagem das atividades também é prescrita por Sandra Araújo, que recomenda a negociação com os filhos para que tenham disciplina e não leiam por hábito, e sim por vício. Vício é aquilo que toma conta da gente, que não conseguimos dominar, finaliza citando o escritor carioca Alberto Mussa.
Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/