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Conto 23/05/2025

Entre o Sorriso e o Silêncio

Entre o Sorriso e o Silêncio

Hélvia sempre foi uma presença discreta na pequena cidade onde nasceu e cresceu. Seu sorriso gentil e a maneira solícita com que tratava todos à sua volta faziam dela alguém querida, mas não necessariamente notada. Era aquela figura que muitos viam todos os dias, mas poucos realmente enxergavam. E talvez fosse melhor assim. Entre o sorriso e o silêncio, Hélvia escondia mais segredos do que qualquer um poderia imaginar.

Trabalhava como bibliotecária na escola municipal, cercada de livros e histórias, mas nunca contava a sua própria. Hélvia aprendeu cedo que o silêncio era uma forma eficaz de proteção. Seu passado, marcado por perdas dolorosas e escolhas difíceis, a ensinou a não confiar demais. Por trás dos olhos serenos e do sorriso que oferecia a todos, escondia lembranças que preferia não revisitar, dores que jamais ousou dividir.

Em casa, sozinha com seus gatos e suas plantas, Hélvia mantinha diários escondidos, onde registrava pensamentos, memórias e até cartas que nunca enviou. Ali, sua verdadeira voz ganhava espaço, desabafava, chorava e, vez ou outra, também ria, mas tudo entre as quatro paredes de seu pequeno apartamento, longe dos olhares e julgamentos.

Os que a conheciam, ou julgavam conhecer, sempre a descreviam como alguém tranquila, sem grandes ambições ou mistérios. Mal sabiam eles que, nas madrugadas silenciosas, Hélvia se aventurava por lugares que poucos ousariam: lia livros de filosofia, escrevia poesias profundas e refletia sobre a complexidade da existência humana. O sorriso que exibia nas ruas era uma armadura; o silêncio, um abrigo.

O tempo passou, as pessoas ao seu redor envelheceram ou partiram, e Hélvia permaneceu, fiel ao seu ritual invisível de ser e não ser. Talvez tenha sido esquecida pela cidade, que seguiu seu curso sem perceber que entre suas ruas caminhava uma mulher que carregava o mundo dentro de si. Não havia amargura nisso, apenas a constatação de que, para alguns, a vida é um palco; para outros, um camarim silencioso.

Na última página de um de seus diários, escreveu: “Sou feita de silêncios bem guardados e de sorrisos cuidadosamente entregues. Não me falta coragem, apenas não preciso ser vista.” E assim seguiu, entre o sorriso e o silêncio, uma personagem esquecida, mas que escondia segredos demais para caber em qualquer história que não fosse a sua própria.


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