Hélvio ajustou a gola do sobretudo e deixou o prédio com a mesma cautela com que entrara. A rua continuava silenciosa, apenas quebrada pelo zumbido elétrico dos postes e pelo som distante de uma sirene em outro bairro. Não havia ninguém por perto, mas ele sentia com a mesma intuição que o guiava em cada caso que não estava sozinho.
Parou junto ao carro estacionado sob a luz trêmula do poste. Encostou-se na lataria fria e pegou o bilhete novamente: "O silêncio é o que mais revela."
Virou o papel várias vezes, mas nada mais se revelava. Nenhum nome, nenhuma assinatura. Apenas aquela frase cravada com uma caligrafia elegante e firme.
O rádio comunicador emitiu um chiado baixo, quebrando o raciocínio. Era Sofia, a única voz constante em sua rotina insone: Hélvio, já está na delegacia? Temos algo...
Ele desligou antes de responder. Não podia explicar o que sentia uma necessidade absurda de permanecer naquela rua, de esperar por algo que nem sabia o que era.
Acendeu um cigarro, mesmo sem gostar, apenas para observar a fumaça misturando-se à neblina que começava a descer sobre a cidade. Foi quando notou: a janela do segundo andar do teatro, a mesma que antes estava fechada, agora se abria lentamente, rangendo como uma ferida exposta.
Hélvio permaneceu imóvel, olhos fixos na escuridão atrás do vidro. Nenhuma silhueta, nenhum movimento adicional. Mas tinha certeza: alguém o observava.
Guardou o bilhete no bolso, largou o cigarro no chão e apagou-o com a ponta do sapato. Abriu a porta do carro e, com um olhar rápido para o prédio, entrou e ligou o motor.
Na saída, percebeu mais um detalhe perturbador: no retrovisor, refletia-se o mesmo símbolo dos três círculos, agora pintado com tinta fresca no parabrisa de um carro estacionado a poucos metros do seu.
Hélvio sorriu de canto. O jogo começara, e ele sabia que, a partir dali o silêncio da madrugada seria ainda mais revelador.