A garoa caía fina sobre a cidade quando Hélvio estacionou seu carro antigo em frente ao Edifício Monte Azul. O prédio, de arquitetura art déco, era uma peça esquecida do centro antigo, engolida por prédios modernos e pela pressa da cidade. O motivo da visita: o desaparecimento de Agenor, o porteiro mais antigo do lugar.
Agenor era quase parte da estrutura do prédio. Estava ali desde os anos 70. Discreto, metódico, nunca faltava. Até aquela manhã.
Ele entregou uma chave... disse Marcos Vidal, o novo morador do 302... e depois sumiu. Só isso.
A chave era pesada, de ferro retorcido, ornamentada com símbolos esquisitos. Segundo Marcos, Agenor lhe disse apenas: "A hora chegou."
Hélvio, acostumado com casos onde os detalhes mais sutis escondem abismos, sentiu o peso daquela frase. Investigando o passado do prédio, descobriu que uma ala do subsolo havia sido lacrada desde 1983, após um incêndio "acidental". Ninguém jamais conseguiu abrir a porta de ferro... até agora.
Guiado por Marcos, Hélvio desceu as escadas mal iluminadas. A chave girou no trinco como se nunca tivesse sido esquecida. A porta rangeu. Atrás dela, o tempo estava intacto: jornais, móveis empoeirados, documentos, fitas de vídeo, e... uma parede coberta de fotos em preto e branco.
Entre elas, uma imagem chamou atenção: um grupo de homens sentados em volta de uma mesa. No canto, sorrindo discretamente, estava Agenor. Jovem. Ao lado dele, um homem idêntico a um importante político local que, oficialmente, nem sequer vivia na cidade naquela época.
Ali, Hélvio soube: aquela chave não abria apenas uma porta. Ela abria um capítulo escondido da história da cidade.
E o sumiço de Agenor talvez não fosse uma fuga. Era parte do plano.