O peso das dívidas e o desafio das famílias brasileiras
O endividamento das famílias no Brasil voltou a crescer, revelando uma realidade preocupante por trás dos números econômicos que indicam melhora da renda e do consumo. Segundo dados divulgados pelo Banco Central (BC), em agosto o endividamento total das famílias com o sistema financeiro chegou a 48,9%, ante 48,5% em julho. Isso significa que quase metade da renda das famílias está comprometida com dívidas e o dado, embora abaixo do pico histórico de 49,9% registrado em julho de 2022, acende um alerta sobre a sustentabilidade financeira dos lares brasileiros.
Quando se excluem as dívidas imobiliárias, o índice ainda é alto: 30,6%, frente aos 30,3% de julho. Esse aumento reflete o avanço das dívidas de consumo, como cartões de crédito, financiamentos de veículos e empréstimos pessoais, que têm crescido impulsionados pelos juros ainda elevados e pela dificuldade das famílias em manter o padrão de vida diante da alta de preços.
Além do endividamento, o comprometimento de renda ou seja, a parcela do orçamento mensal usada para pagar prestações também aumentou. Passou de 27,9% para 28,5%, e, sem incluir os empréstimos imobiliários, de 25,8% para 26,3%. Em outras palavras, as famílias estão dedicando uma parte cada vez maior de seus ganhos apenas para quitar dívidas antigas, o que reduz a capacidade de consumo e de poupança e fragiliza o equilíbrio financeiro doméstico.
O crédito para habitação continua sendo o principal motor do endividamento de longo prazo. Em setembro, o estoque de operações de crédito imobiliário para pessoas físicas cresceu 1,0% em relação a agosto, alcançando R$ 1,267 trilhão, uma alta de 11,6% em 12 meses. Isso reflete tanto a continuidade de programas habitacionais como o Minha Casa, Minha Vida, quanto o esforço das famílias em garantir moradia própria ainda que isso signifique comprometer parte significativa da renda por longos períodos.
Outro destaque é o crescimento expressivo do crédito livre para compra de veículos, que subiu 1,4% em setembro, totalizando R$ 379,9 bilhões. No acumulado de 12 meses, o avanço é de 13,9%. O dado mostra que, mesmo com o orçamento apertado, os brasileiros continuam recorrendo ao financiamento para manter ou adquirir bens duráveis, o que reforça a dependência do crédito para sustentar o consumo.
Esses números revelam uma contradição importante: enquanto o governo divulga indicadores positivos de geração de empregos e aumento da renda média, a realidade financeira das famílias mostra um cenário mais complexo. Parte do aparente crescimento do consumo está sendo sustentado pelo aumento do endividamento. Ou seja, a sensação de melhora de vida não necessariamente corresponde a uma melhora estrutural nas condições econômicas mas sim a uma expansão do crédito que mantém o consumo ativo às custas do futuro.
A taxa de juros, embora em trajetória de queda gradual, ainda se mantém alta, o que torna o custo do crédito mais pesado. Além disso, o encarecimento do custo de vida com itens essenciais, como alimentação, transporte e energia, limita o espaço para o pagamento das dívidas, empurrando muitos consumidores para o crédito rotativo do cartão, uma das modalidades mais caras do sistema financeiro.
Em resumo, o aumento do endividamento é um retrato fiel da luta diária das famílias brasileiras para equilibrar o orçamento. Apesar de avanços pontuais na economia, a combinação entre juros altos, crédito caro e aumento do custo de vida cria um ciclo de dependência financeira difícil de romper. A estabilidade só virá com uma política econômica que promova não apenas o acesso ao crédito, mas também o fortalecimento da renda real, a educação financeira e o consumo consciente. Até lá, os números do Banco Central continuarão refletindo o mesmo desafio: o peso das dívidas que ameaça a tranquilidade financeira de milhões de brasileiros.







