Quando o Passado Bate à Porta
Há momentos em que o som de uma batida na porta é mais do que um simples ruído. É um chamado. Um lembrete. Uma ferida antiga que insiste em não cicatrizar. Quando o passado resolve aparecer sem aviso, ele não pergunta se estamos prontos apenas entra, silencioso e inevitável, trazendo consigo ecos do que fomos e perguntas que evitamos responder.
Helena sempre acreditou que o tempo era um aliado fiel. Mudou de cidade, de casa, de vida. Deixou para trás uma história que preferia esquecer. No entanto, naquela noite fria, o toque insistente na madeira a fez perceber que o tempo não apaga apenas adormece. E, às vezes, desperta de forma abrupta, cruel, quando menos esperamos.
O corredor estava mergulhado em penumbra. A lâmpada tremulava, como se também hesitasse diante do desconhecido. Helena aproximou-se devagar. O coração acelerava, e as mãos, trêmulas, buscavam apoio na parede. Uma lembrança um perfume, uma risada distante cruzou-lhe a mente com a força de um relâmpago. Aquela batida não era apenas física; era emocional. Era o som de tudo o que ela tentou deixar do lado de fora da própria alma.
De repente, o passado estava ali, do outro lado da porta, pulsando como uma presença viva. Ela sentiu vontade de correr, de fingir que não ouvira, de apagar as luzes e mergulhar novamente na ilusão de esquecimento. Mas havia algo mais forte do que o medo: a curiosidade. O desejo de compreender o que ainda a prendia ao ontem.
Girou a maçaneta. O rangido metálico ecoou pela casa. O ar gelado entrou primeiro, trazendo com ele o cheiro de chuva e memórias. Do lado de fora, não havia ninguém visível. Apenas um envelope repousava sobre o tapete, velho e amarelado. O nome dela, escrito à mão, parecia pulsar. Ao abri-lo, encontrou uma fotografia antiga: ela e ele, sorrindo, em um tempo que parecia de outro mundo. Atrás, uma frase curta, quase uma provocação: “Nunca é tarde para abrir a porta certa.”
Helena sentou-se no chão, o papel tremendo entre os dedos. Entendeu, enfim, que o passado não vem para destruir vem para ser entendido. Talvez abrir a porta fosse o único caminho possível para seguir em frente, não como uma vítima das lembranças, mas como alguém que finalmente decide olhar para si sem medo.
O relógio marcou meia-noite. A chuva aumentou. Lá fora, o vento batia novamente, ritmado, insistente. Desta vez, ela não hesitou. Levantou-se e abriu de vez.
Do outro lado, apenas o vazio e a noite. Mas, em algum ponto profundo dentro dela, algo se libertou. O peso da lembrança transformou-se em leveza. O silêncio voltou, agora acolhedor, e Helena sorriu. O passado tinha, enfim, batido à porta e ela o deixara entrar para poder deixá-lo partir.