Ruas de Novembro
As ruas estavam molhadas, refletindo as luzes alaranjadas dos postes que resistiam ao vento frio de novembro. O som distante de passos ecoava entre os becos, misturado ao tilintar de uma música antiga que escapava de um salão esquecido pelo tempo. O policial Henrique parou por um instante diante da fachada desbotada do prédio. Naquela noite, o caso que o trouxera até ali parecia mais um acerto de contas com o passado do que uma simples investigação.
O homem misterioso que ele procurava havia sido visto pela última vez no baile da Sociedade Antiga, um lugar que parecia congelado na década de 50. Ao entrar, o ar cheirava a perfume adocicado e lembranças. O piano tocava uma melodia melancólica, e as vozes se perdiam em murmúrios. Henrique caminhava entre os convidados, observando rostos, procurando sinais, quando a viu Clara.
Ela estava igual, mas diferente. O mesmo olhar firme, agora encoberto por uma sombra de mistério. A mulher que partira anos atrás sem dizer uma palavra, deixando para trás uma história interrompida. O tempo não apagara a dor nem o fascínio. Clara o olhou com surpresa contida, como se o destino tivesse feito uma peça cruel. E talvez tivesse.
O reencontro foi silencioso. Não havia espaço para perguntas, apenas um reconhecimento mútuo de que algo ainda permanecia. Ela sabia mais do que dizia. Ele, por instinto, percebeu que o desaparecido e a mulher diante dele estavam ligados de uma forma que o relatório policial jamais explicaria.
Enquanto dançavam, como se o passado os empurrasse de volta àquele momento, Clara sussurrou algo sobre “segredos que não deveriam ser abertos”. O homem que Henrique buscava um certo Augusto Ferraz era mais do que um nome em um dossiê. Era alguém que conhecera o pai de Henrique, um policial morto em circunstâncias nunca esclarecidas. As peças começaram a se encaixar. O caso não era apenas sobre um desaparecimento. Era sobre ele mesmo.
O baile terminou, mas a chuva continuava do lado de fora, insistente, como se lavasse o tempo. Juntos, caminharam pelas ruas vazias, seguindo pistas, revendo lugares que pareciam carregar fragmentos de lembranças. Em um armazém abandonado na Rua das Laranjeiras, encontraram documentos antigos, fotos desbotadas e uma gravação que revelava um pacto feito décadas antes um acordo que unia as famílias deles por um segredo inconfessável.
A verdade caiu como a última chuva da noite: o desaparecido havia tentado romper o ciclo de mentiras que sustentava aquele pacto. E Clara, ao fugir, tentara protegê-lo e proteger Henrique. O policial compreendeu, enfim, que sua busca não era apenas por um homem perdido, mas pela própria redenção.
Quando o sol tímido começou a nascer sobre as ruas de novembro, Clara partiu novamente, deixando apenas uma carta molhada de lágrimas e chuva. Henrique ficou observando o horizonte, com o som distante de uma música antiga e a certeza de que alguns reencontros existem apenas para nos lembrar quem fomos.
“Esta obra é uma ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.”







