Entre 2001 e 2012, a frota brasileira de veículos passou de 34,9 milhões para cerca de 76 milhões, crescimento superior a 138%
Relatório do Observatório das Metrópoles, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, comprova que, entre 2001 e 2012, a frota brasileira de veículos passou de 34,9 milhões para cerca de 76 milhões, crescimento superior a 138%. Tamanho inchaço, contudo, não foi acompanhado pelo aumento da população, que, conforme o censo demográfico do mesmo período, foi de 12,49%.
Para a especialista em trânsito da Perkons, Idaura Lobo Dias, a disparidade entre os dois números reforça a urgência de debater o tema, responsável por desdobramentos que comprometem a saúde e o meio ambiente. “É indiscutível a importância de se priorizar opções alternativas de transporte. Aprimorar o transporte coletivo e incentivar o uso de veículos elétricos, por exemplo, é essencial para frear também as mortes indiretas no trânsito”, pontua.
O chefe do Departamento de Medicina de Tráfego Ocupacional da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Dirceu Alves Junior, compartilha dessa visão e acredita que pesquisas como essa reforçam a máxima de que o trânsito não mata apenas por acidentes. “A melhoria do transporte coletivo faria a população abandonar aquilo que deveria ser um veículo de passeio, mas é usado diariamente para trabalho”, exemplifica.
Neste panorama, o relatório do Observatório indica que as 15 principais regiões metropolitanas brasileiras apresentaram, entre 2001 e 2012, crescimento de 90,2% na frota de automóveis. Dentro do grupo estão Curitiba (PR) e Florianópolis (SC), ambas capitais com cenários peculiares e igualmente alarmantes.
Com pouco mais de 249 mil habitantes somente na ilha, Florianópolis (SC) teve um aumento de 112,3% no número de automóveis de passeio no mesmo período, passando de 193 mil para 410 mil. Curitiba, por sua vez, é considerada pelo estudo como a capital mais motorizada do país, com um aumento de sete vezes na frota nos últimos 40 anos. Em 2012, a cidade atingiu o índice de 49,8 automóveis para cada 100 habitantes, número que supera Campinas, Florianópolis e São Paulo, que também possuem taxas elevadas, acima de 40 automóveis para cada 100 habitantes.
Volume excessivo da frota veicular compromete saúde
A saúde sofre impactos indiretos constantes por qualquer que seja o tamanho da frota veicular. Lançada em 2015, resolução da Organização Mundial da Saúde (OMS) associa a poluição atmosférica à morte de mais de oito milhões de pessoas no mundo anualmente. Com o intuito de fazer uma avaliação mais apurada dos danos dessa ordem, o Instituto Saúde e Sustentabilidade, ligado à Universidade de São Paulo (USP) estima que, em São Paulo, a deterioração do ar ocasiona 4 mil mortes prematuras ao ano apenas na capital, além de reduzir a expectativa de vida em 1,5 anos.
A pesquisa também estimula uma reflexão decisiva em âmbito mundial: se não forem tomadas providências, a poluição atmosférica pode se tornar a principal causa ambiental de mortalidade prematura em 2050. “O aumento no número de veículos tem trazido muitos transtornos, pois a quantidade de vias é a mesma de 20, 30 anos atrás. Algumas dessas consequências, que envolvem a redução da imunidade de maneira geral, são os quadros de conjuntivite química, dermatite pela obstrução de glândulas, enfisema pulmonar e problemas respiratórios, como sinusite e bronquite, agravados pela poluição”, enumera Dirceu. Outra decorrência destacada pelo especialista advém da poluição sonora. “Já é comprovado que 22% dos paulistanos têm problemas auditivos por conta dos ruídos do trânsito”, ressalta.
Além dos inúmeros malefícios à saúde, os congestionamentos quilométricos comprometem o meio ambiente. Conforme o médico, os vapores lançados ao meio ambiente pela queima de combustível aumentam a temperatura nas zonas de maior concentração de veículos. “Nesses pontos, é possível aferir até 4°C acima do que no restante da cidade. Os gases liberados nessa queima também barram a dissipação do ar, provocando o efeito estufa, problema gravíssimo para o planeta”, elucida.
Dos males, o pior
De acordo com o químico e consultor de mobilidade urbana, Antônio de Veiga, há uma série de variáveis que interfere neste cenário de malefícios à saúde e ao meio ambiente, sendo o combustível um agravante decisivo. “Ao falarmos de veículos, aqueles movidos a diesel são, sem dúvida, os grandes vilões, como é o caso de muitas caminhonetes. Essa frota polui cinco vezes mais do que a movida à gasolina”, compara.
Como derivado fóssil, o diesel resulta na emissão de gases e vapores, fuligem e enxofre, altamente prejudiciais ao organismo. Este último, responsável pela ocorrência do fenômeno da chuva ácida. “Uma criança dentro de um transporte escolar movido a diesel respira quatro vezes mais desses gases tóxicos do que ao caminhar pelas ruas”, compara Veiga. Ele adverte ainda que a fuligem já é associada a 8% das mortes de idosos. “Em grávidas, a poluição veicular também compromete o desenvolvimento neurológico dos fetos, com possibilidade de gerar mutações genéticas”, acrescenta.
Para o químico, a solução para conter esses índices deve vir da combinação de três fatores determinantes: inspeção veicular, melhoria da qualidade dos combustíveis, e controle regional dos centros urbanos quanto à emissão de poluentes. “Atualmente, os automóveis já saem das montadoras com catalisadores, que convertem o que polui em substâncias menos agressivas. A grande questão é que as frotas são defasadas e por isso a inspeção é fundamental”, pondera. O usuário, contudo, não está isento de responsabilidade de construir cidades mais sustentáveis. “Se eu uso automóvel que queima fuligem, devo me doutrinar a ir ao mecânico periodicamente. É preciso conscientização e respeito com o outro”, orienta.